sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Cemitério, a Galeria das Coligações Políticas



Jeremias D'avalanche Chemane

Crónica

É chamada Pérola do Índico pelos mais românticos e bonitólogos daqui, esta é a nossa terra, onde a eminente disputa entre o verão e o inverno conseguiu repelir o Outono e a primavera, é daqui onde milhares de moçambicanos não tem o poder de se manifestar por temer a represália dos irmãos da autoridade, é aqui onde os idosos sonham com a época colonial porque ao menos nessa época estavam cientes da causa de luta, os mais conformados lutavam pela assimilação e os radicais pela independência.
      
Chama-se João, o meu amigo e vizinho que estava encostado comigo como de habitual no tronco da minha casa, lugar onde eu adoraria diariamente estar, mas não o posso fazer porque na matina, momento em que os raios solares desfilam sorrisos e giram ao ritmo do ballet imaginário, tal como é imaginaria a linha do equador, estou eu atrás do dito futuro próspero.

Nesta manha de domingo, eu e João fomos visitados pelo chefe de quarteirão do meu bairro, o mesmo exigia que participássemos tal como todos os jovens já recrutados, na campanha eleitoral a favor da Frelimo e do seu candidato.

-Vocês dois não vieram até agora a concentração para a marcha porquê?

- Não nos interessa fazer marcha nenhuma, não queremos ver o sol em lágrimas por causa da nossa ausência no tronco, ele já está acostumado a ver o nosso formoso rabinho encostado aqui todo santo domingo a essa hora.

- Mas vocês não sabem da campanha? 

- Sabemos claramente, só não queremos participar.

- Se não me seguirem agora, verão nos próximos dias as vossas casas destruídas, sob o pretexto de parcelamento municipal, então cuidado.
   
Como sempre, passivo como é, João seguiu o chefe de quarteirão e aceitou participar de tal evento.

Na passeada pela cidade, que iniciou por volta das 10 horas no campo do aeroporto na cidade de Maputo, João fora incumbido a tarefa de panfletar o muro do cemitério de Lhanguene, o mais cheio da cidade, ali estão enterrados desde os mais santos aos mais vadios dos indivíduos.

Embora com receio, João aceitou, tendo por isso se dirigido ao cemitério por volta das 18 horas depois de terminada a passeada com a caravana do partido. João assobiava a sua preferida canção (Mr KuKa – eu também). Ao colar os panfletos João sentia um mal-estar, a cada panfleto colado parecia menos uma célula em seu corpo. 

No processo de colagem, João ouvia ecos da legião sobrenatural, que em uníssono cantava ‘’deixe-nos dormir antes que te chamemos para o nosso lar’’, João não dava crédito ao eco, e como bom servidor de seu partido continuava a colar os panfletos. Quando João se preparava para colar o último panfleto em mãos, sentiu uma tontura inexplicável tendo caído no chão e rebolado involuntariamente até a estrada, onde veio a sofrer um acidente tendo de imediato parado no hospital. 

Depois de medicado João estava com as duas pernas engessadas, e o médico, ao questionar-lhe o sucedido, João não conseguia reunir verbos para explicar. Chegado ao bairro como bom amigo que sou fui visita-lo, João estava bem, falava sem a mínima dificuldade, mas quando fosse para relatar o que tivera acontecido, no muro da lhanguene, ele começava a sofrer de ataques epilépticos.

Pela curiosidade que tenho, fui iluminado pela ideia de fazer o mesmo verbalizar seu pensamento em papel. No derramar da história, João relatou os factos acima citados, tendo acrescentado ainda que a escrita é a única forma que ele tem de contar o sucedido, visto que os magos africanos estão apartados dessa espécie comunicacional.

João ouve vozes e por vezes chora, já não sabe como repelir os moradores do além, então perguntou a uma mazione vizinha.

- Mamana, o que é que posso fazer para mandar embora essas vozes assustadoras?
- Mwananga me deixa perguntar os deuses vamos entrar na guereja.

30 Minutos depois ela diz:
- Jowawa Mwananga, estás metido em sarilhos, você só tem duas escolhas ou passar a varrer as campas do cemitério, ou morrer em um mês.
- Prefiro varrer campas mama, mas por quanto tempo?
- Não sei mas, tem de ser tempo suficiente para eles apanharem sono de novo e não ouvires mais vozes.
       
Autor: Jeremias Chemane 

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