Edição
de Livros em Moçambique: um ''Bicho sem Cabeça''
Como diz Miguel Unamuno, ler muito é um dos caminhos
para a originalidade; uma pessoa é tão mais original e peculiar quanto mais
conhecer o que disseram os outros.
Estas invulgares faculdades que a leitura nos proporciona são tão possíveis
quanto mais LIVROS lemos. Certa vez afirmou Charles Elliot, livros são os mais
silenciosos e constantes amigos; os mais acessíveis e sábios conselheiros; e os
mais pacientes professores.
O livro é, indubitavelmente, das maiores criações da
humanidade. Ele conserva conhecimentos, antigos e novos saberes. O livro salvou
para a posteridade o “espólio” da Antiguidade. De uma importância incontestável,
o livro que nos chega a mão é apenas o ângulo mais saliente de um produto que
irrompe depois de cumpridas sinuosas, desgastantes e dispendiosas etapas ao
longo da sua gestação.
Numa proposta de discussão incomum na arena do debate
académico e/ou profissional em Moçambique, a Universidade Pedagógica, através
da Faculdade de Ciências da Comunicação e de Linguagem, organizou uma mesa
redonda com editores e livreiros, sob o tema desafio da edição de livros em Moçambique.
Foi de resto uma viagem discursória a volta de uma
temática que está(va) longe de constar da agenda do debate académico nacional e
que juntou docentes da UP, estudantes de Jornalismo e Estudos Editorias e um
painel composto por Nelson Saute, da Editora Malambique, Ana Vasta,
coordenadora Editorial da Plural Editores, Elsa Silva, da Minerva e Angelina
Comé, da Editora Educar.
Discutir o papel do editor – para alguns um ser estranho,
um ser incompreendido na conjugação para a produção do livro – no contexto
moçambicano; falar dos canais de produção e de distribuição do livro adivinhavam-se
missões monstruosamente complicadas, mas industriavam os presentes a
expectativa de um encontro que se fizesse prolífico. E lá nós, os
interlocutores, entravamos em utopias para no instante imediatamente a seguir
cairmos na distopia. Orientavámo-nos pelo ideal para, sem muito esforço,
lembrarmo-nos da sua impraticabilidade.
Nelson Saute, escritor e editor – exímio conhecedor dos
trilhos de produção e distribuição do livro – num tom discursivo profundo e desembaraçado,
porém pedagógico, encontra o editor como aquele que “faz escolhas importantes
de intervenção numa sociedade, numa cultura; dá forma e vida ao livro”.
Parafraseando o unívoco objectivo do mundo editorial, “um editor tem de trazer
um livro de qualidade”.
Este adeptismo do editor pela excelência do produto,
porém, nem sempre é percebido pelo autor, como, incredulamente, protestou Saute.
“Normalmente os autores quando nos procuram, fazem-no com trabalhos já prontos
e paginados, querendo a chancela de uma casa editorial e muitas vezes não percebem
qual é o papel do editor. Os nossos autores guiam-se por uma tradição muito
‘prima-dona’ em relação aos seus textos e não percebem que contando com um
olhar crítico do editor podem beneficiar bastante. O autor, por mais consagrado
que seja, às vezes falha em alguma coisa. Há uma ilusão de autoria”.
O editor sabe que
se edita o livro não para o caderno de cultura, nem para os cadernos
literários, mas sim para o público leitor. Quem, decerto, tem este como o seu modus operandi é, de novo, Nelson Saute,
que se declara apaixonado pela tradição anglo-saxónica, tanto que ele intervém
e discute amplamente o original com o autor. Talvez por isso ele só publique os
clássicos, como aliás o afiançou. Até porque os clássicos não se tornam
clássicos ao acaso, merecem atenção especial.
Na literatura, por exemplo, hoje raream aventuras
literárias ousadas como as de José Craverinha, Noémia de Sousa, Mia Couto. Não
espanta, por isso – tal como certa vez disse o escritor Mario Vargas – que a
literatura mais representativa da nossa época seja light, leve, fácil que sem menor rubor se propõe, sobretudo, a
divertir.
Diz ainda Vargas que a literatura light dá ao leitor e ao espectador a cômoda impressão de que é
culto, revolucionário, moderno, de que está na vanguarda, com um mínimo esforço
intelectual. Desse modo, essa cultura que se pretende avançada, de ruptura, na
verdade propaga o conformismo através de suas piores manifestações: a complacência
e a autossatisfação.
Mas porque o livro que hoje nos referimos não responde
àquela obra de arte que: atravessa
os séculos; é objecto de uma cultura desinteressada; não responde à nenhuma
utilidade funcional e não dá lugar a um processo de consumo, a
que a filósofa alemã Hannah Arendt se referiu, este orienta-se mais pela lógica
do mercado, relegando a um plano menos decisivo a criação e a espiritualidade
artísticas. Disseram repitidas vezes alguns saudosistas da literatura clássica,
presentes no encontro.
Um mercado livreiro, no entanto, que parece inexistente
em Moçambique. Uma das mais bem posicionadas editoras do país e especializada
em edição do livro escolar, a Plural Editores, representada pela sua
coordenadora editorial, Ana Vasta, reclamou da injustiça do mercado do livro,
acentuando a insustentabilidade do livro enquanto bem económico. “Estamos no
mercado porque gostamos de editar livros. O que nos suporta aqui em Moçambique
é a empresa mãe (Porto Editora) ou do contrário já teríamos encerrado as portas”.
Como se de uma orquestra se tratasse, o discurso,
plangente e por vezes desesperante, obedecia a uma uniformidade de estilo e de
conteúdo irrepetíveis. Eu, esbugalhado, ouvidos aguçados e expectante em ver o
alinhamento discursivo a tomar uma direcção optimista, resolvi desfazer-me das
minhas utopias e, finalmente, ative-me a mensagem simples e contundente que se
me havia sido transmitida desde o instante inicial: “o mercado editorial em
Moçambique é uma quimera”. Não haveria, pois, uma (re)confirmação mais lúcida
como o pronunciamento da Angelina Come, representante da Editora Educar, dedicada
a edição de livros científicos: “a nossa editora tem experimentado inúmeras
dificuldades financeiras e não conseguimos, por conta disto, publicar
regularmente. É muito pouco o que nós já fizemos até aqui”.
Mas também aprendi lá, com aqueles painelistas, doutos em
matérias da edição, que o sucesso de um livro, e por extensão das editoras, pode,
sobremaneira, ser determinado pelas livrarias. A livraria é muito importante
como propagadora da cultura e incentivadora de acções que criam novos leitores
em larga escala. Elsa Silva, da livraria Minerva, domina os ciclos da
comercialização do livro. Ela “orgulha-se” por a Minerva conseguir responder à
procura, resultante da boa relação que mantém com as empresas editoras
nacionais e internacionais. O namoro com o leitor-cliente ganha destaque maior
na sua tradicional feira anual do livro, onde este chega a estar a metade do
preço, permitindo que a vários leitores seja possível adquiri-lo.
Há-de ter sido encontrado, talvez, um dos culpados para a dita “marginalização” do livro e da decadência da actividade editorial deste bem. A ausência do jornalismo cultural. E bem na plateia, estava uma elegível. Hermínia Machel, jornalista cultural da Televisão Pública, que também reclama da ditadura do jornalismo político e económico em prejuízo do cultural.
É como, nostalgicamente, disse Nelson Saúte: “em tempos tínhamos
um ambiente indutor do amor ao livro, do amor à literatura. Hoje falta o
jornalista cultural, aquele que anuncia a obra, que a critica, que forma o
leitor. O noticiário cultural está empobrecido, e a vida do editor torna-se
cada vez mais difícil, sobretudo para aquele que pretende buscar mercado,
formar público e intervir socialmente”.
Eu também, como tudo o resto presente na palestra, não auguro
“felicidades” ao mercado de edição de livros em Moçambique, salvo se o Estado
adoptar uma política de incentivo à leitura e ao uso das bibliotecas como
locais de propagação da cultura, sabedoria e aprendizagem. Como disse Neil
Gaiman “não privilegiar uma biblioteca é silenciar o passado e prejudicar o
futuro. É negar a importância da plena formação do ser humano como indivíduo
livre, crítico e pensante”. Este Estado devia ser o maior comprador das obras
dos autores nacionais.
E aprendi, no final, uma nova licção: “um bom editor deve
ser também um bom entendedor de marketing. Aquele que consegue combinar o
dualismo ‘livro como produção artístico-espiritual e como um bem económico sustentável”.
(J.Int)
Autor :Renildo Braz
Autor :Renildo Braz
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