Cronica
Por: Estêvão Azarias Chavisso
Embora tenha crescido dentro de uma família conservadora e professante
dos valores cristãos, sempre tive uma forte inclinação para o
“profano”. Eu tinha pouco mais de dez anos quando meu primo
apresentou-me sua “inocente” colecção das Brasileirinhas - os melhores
vídeos pornográficos produzidos no Brasil. Meu primo, 5 anos mais velho
que eu, foi uma das primeiras pessoas que, Nietzschianamente, estimulou
os fervorosos apetites sexuais escondidos por de traz dos óculos
daquele menino inocente de natureza selvagem. Na época, finais dos anos
90, não tínhamos a sorte de ver as brasileirinhas em HD (Alta
Definição), viemos numa qualidade lamentável, mas a vontade era maior.
Aliás, se na altura era difícil ter um vídeo cassete em casa, era mais
complexo ainda ter uma cassete das brasileirinhas escondido de baixo da
estante.
Meu primo, milagrosamente, possuía tal “preciosidade”,
pelo que, pelo menos ao nível do seu bairro, tinha a fama, o respeito e,
sobretudo, a legitimidade necessária para falar das mulheres entre os
seus amigos. Ele vivia no Bairro de Chamanculo, um dos mais perigosos da
Cidade de Maputo e com alto índice de natalidade. Durante os finais de
semana, principalmente nos finais do mês, os meus tios (pais do meu
primo) saíam para festas familiares, deixando livre o território para
“reuniões clandestinas”, sessões de apresentação de filmes pornográficos
com mais de 7 homens na sala.
Em parte, para mim, aquela
realidade era traumatizante, na medida em que cada um tinha sua forma,
particular e inusitada, de responder a determinados estímulos. A sessão
tinha pouco mais de 30 minutos, entretanto, muitos mostravam-se já
“satisfeitos” nos primeiros 2 minutos - não entendia porquê.
Depois do ritual sagrado, o meu primo, o líder da “congregação”, fazia
um breve resumo do que foi a sessão, relembrando algumas passagens
marcantes do filme – desde as posições das actrizes até aos gemidos dos
atores. Eu, o mais novo do grupo e suspeitando tal atitude, pouco dizia.
Aliás, nem tinha muito a dizer, entretanto, observava cada momento
calma e atenciosamente. Era uma situação estranha, mas muito
interessante. Engraçado, apesar de ser o líder, meu primo, tal como todo
o grupo, não tinha uma namorada. Ora, embora tivéssemos um respeito
pelo seu status, sabíamos que ele não colocava em prática nenhuma
daquelas brilhantes técnicas.
Apesar disso, eu gostava de estar
com ele, e, principalmente, de ouvi-lo explanar os segredos do sagrado
corpo feminino. As visitas ao bairro do meu primo começaram a tornar-se
frequentes, principalmente nos finais do mês. Minha mãe, desconfiada
deste repentino sentimento de irmandade, chegou a questionar-me sobre as
constantes visitas ao bairro de Chamanculo. Eu, olhando para os seus
olhos e abanando a cabeça com ar de adulto, limitei-me a responde-la nos
seguintes termos; “ Experiência, experiência, troca de experiência”.
Hoje, depois de tanto tempo, minha paixão pelas artes pornográficas
continua a mesma de 10 anos atrás, embora os filmes contemporâneos
agridam a minha sensibilidade - tomando em consideração a forma desumana
com que as actrizes são tratadas. Apesar da qualidade ter evoluído, as
maquinas terem sido aperfeiçoadas e os cenários terem sido readaptados
com estilo moderno, falta sensibilidade por parte do atores, que
destroem um momento sublime do contacto entre os corpos que clamam por
prazer. Este problema legitima, em larga escola, a indignação do
movimento feminista que floresce, principalmente, a partir das primeira
década deste século, liderado por escritoras como Andrea Rita Dworkin,
assumidamente em oposição à pornografia.
Eu, em respeito à
minha infância e a minha actual condição, sou a favor da 7ª arte, seja
ela pornográfica ou não - como bem disse-me numa entrevista o cineasta
Sol de Carvalho. Aliás, a realidade manda-me questionar, o que seria de
nós, actualmente, sem um bom filme pornográfico?
Actualmente, a
indústria de pornografia cresceu demasiadamente, pelo que, nalguns
centros principais de produção de filmes pornográficos, foram
estabelecidas até regras para gerir tão “delicada” actividade. Graças as
artes pornográficas, clássica troca de fluidos orgânicos, actrizes como
Tori Black, Audrey Bitoni, Belladona, entram nas “telinhas” dos nossos
computadores e telemoveis , assiduamente, para nos fazerem companhia
durante alguns minutos nas longas madrugadas solitárias. Hoje, a
indústria está mais organizada, tanto que atores como Evan Stone, Evan
Seinfeld e Lexington Steele já possuem fortunas estimadas em 3 a 4
milhões em património líquido.
Infelizmente, o meu primo (meu
mestre) já casou-se. O grupo desfez-se e, por tal, não mais temos nossas
sessões fervorosas de sábado a tarde. Aliás, não mais nos vemos com
frequência e muito pouco conversamos. Hoje, nas primeiras horas da
manhã, cruzei-me com ele na rua, está gordo e já trabalha. A primeira
coisa que fiz foi questionar-lhe onde e com quem estava o nosso
“sagrado” cassete das brasileirinhas, ele respondeu: Está lá, no mesmo
lugar de sempre. À espera de uma nova geração para dar continuidade a
tradição.
fim
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